Um pouco mais sobre Yalom
Uma das coisas que mais chama atenção ao ler qualquer livro ficcional de Yalom (ele também tem excelentes obras acadêmicas e de cunho teórico/técnico) é a sua maestria na construção de um personagem.
Esta sua característica sempre me fascinou desde que comecei a ler seus livros, mas recentemente ao ler sua última obra traduzida para o português, Vou chamar a polícia, tal característica foi elevada a níveis ainda mais altos, pela compreensão de uma teoria que ele compartilha com o leitor.
Yalom choca, em um primeiro momento, afirmando que é bem possível existirem personagens fictícios mais reais do que personagens reais… Péra aí ! Como é ? Eu posso me deparar com um personagem fictício em uma obra ficcional que consegue ser mais real do que um personagem realmente real em, digamos, uma biografia !?
Como assim ?
Passado o primeiro choque, pense : imagine que algum desconhecido seu pretendesse conhecer tudo de você a ponto de poder escrever sua biografia. Pesquisaria a partir de tudo aquilo que fosse acessível e pudesse dizer de você, tal como documentos, correspondência, fotografias, filmes, e-mails, etc.
Qual você acha que seria a precisão deste relato ? Esse estranho conseguiria alcançar a profundidade da sua personalidade ? Saberia dos seus segredos ? Conseguiria transmitir a outros uma imagem relevantemente acurada das suas mais altas pretensões, crenças, medos, fantasias e desejos ?
Agora, em contrapartida, pense em um profundo conhecedor da alma humana, um estudioso nas questões da existência, alguém que é apaixonado pelos processos humanos e imagine que ele utilizasse de todo esse seu saber para construir um personagem fictício em um contexto também fictício, mas cujas existências se baseassem coerentemente em tudo aquilo que é resultado do seu conhecimento sobre o homem …
Comparemos agora esses dois resultados hipotéticos : quem seria mais plausível e real no sentido de estar afinado e coerente com suas respectivas fontes de inspiração ? O seu relato biográfico pretensamente real a partir daquilo que é público e manifesto da sua vida (ou de qualquer outra pessoa, diga-se de passagem !) ou o personagem fictício construído com cuidado e esmero para exemplificar o ser humano como categoria ?
Pense, por exemplo, que na construção do personagem fictício, o autor não precisa poupar a fonte biográfica de fatos ou características que possam ser potencialmente danosas e que, portanto, tenham a tendência de serem omitidas. E nem ao contrário, magnificar ou potencializar eventos que lhe sejam engrandecedores, caso essa seja a tendência do autor.
De fato, o personagem fictício pode ser construído no detalhe mínimo, positivo, negativo, degradante ou edificante, ao sabor da complexidade sem censura do sujeito humano em toda a sua alteridade e que pode ser ilustrada ricamente seja com o que for cabível na ótica do seu criador… e, o mais notável, isso não afasta a criação do real (como seria no caso da biografia), ao invés disso, a aproxima do real do humano enquanto categoria !
Talvez isso explique porque às vezes temos a impressão de que certos personagens de filmes ou livros são muito mais de “carne e osso” do que relatos biográficos de pessoas reais e notórias, cuja imagem criada em filme ou por escrito simplesmente não passa legitimidade nenhuma enquanto reflexo com valor realmente objetivo…
Isso me remete a um caso interessante…
Há algum tempo, quando começaram a chegar em nossas lojas os primeiros aparelhos televisores de LCD, estava com um amigo no shopping quando topamos pela primeira vez com uma máquina daquelas; fitamos o ecrã, imóveis, em silêncio, por alguns minutos, e então nos viramos e ele me disse: “Essa imagem é mais real do que a realidade!” – eu eu não pude contrariar.
A esse tipo de fenômeno, talvez possamos denominá-lo de “hiper-realidade” (algo como um Surrealismo às avessas); enfim. Ainda não li esse livro do Yalom, só pretendo contribuir com um singelo brainstorming.
Algumas definições de HiperRealidade:
– “A simulação de algo que nunca existiu realmente” – Jean Baudrillard;
– “O engano autêntico.” – Umberto Eco.
Ou não!
É interessante mesmo essa comparação !
Abç